Argentina: Entre a ruína e a reconstrução
- Paulo Corner

- há 6 dias
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O país que já foi potência agrícola tenta reencontrar o caminho da confiança e da estabilidade.

A crise não é o fim, é a transição
A Argentina não está quebrando. Está mudando de pele. O que muitos enxergam como colapso, outros veem como cirurgia radical, dolorosa, mas necessária. Depois de décadas de déficits fiscais, dívidas sucessivas e uma moeda fragilizada, o país vive em 2025 um dos ajustes mais profundos de sua história moderna. Durante anos, o Estado argentino gastou mais do que podia, financiando o excesso com emissão de moeda. O resultado foi previsível: inflação acima de 200%, fuga de capitais e descrédito internacional. Essa espiral corroeu o poder de compra das famílias e deixou a economia à beira da insolvência.
O choque de realidade
O governo decidiu romper com o velho ciclo de dependência. Cortou subsídios, reduziu ministérios, liberou o câmbio e buscou superávit nas contas públicas. O impacto foi imediato e doloroso: pobreza acima de 55%, retração industrial e queda do consumo.Mas, a partir do segundo semestre de 2025, os indicadores começaram a inverter o curso. A inflação caiu para cerca de 2% ao mês, as reservas internacionais superaram US$ 40 bilhões e o déficit primário se transformou em superávit. Pela primeira vez em muitos anos, a Argentina apresentou sinais reais de equilíbrio fiscal.
A dor, o aperto monetário e o preço social do ajuste
A estabilização tem custo humano. O desemprego formal ainda é alto, e o poder de compra segue comprimido. Nas ruas, mistura-se o cansaço da escassez com a esperança da reconstrução. Há quem veja em Javier Milei um libertador das amarras do populismo; outros o acusam de sacrificar o social em nome da ortodoxia econômica. Mas o fato inegável é que os números voltaram a inspirar confiança, algo raro na Argentina das últimas décadas.
Dados estatísticos atuais (Outubro de 2025)
O que isso significa para o Brasil e o comércio exterior?
Para o Brasil, a estabilização argentina abre janela de oportunidade. Um vizinho previsível, com câmbio ajustado e contas equilibradas, favorece exportadores, investidores e operadores logísticos. A retomada da confiança pode fortalecer rotas de comércio e cooperação industrial dentro do Mercosul. Ainda é cedo para comemorar, mas o movimento é claro: a Argentina começa a reencontrar o norte da prudência. Se mantiver disciplina fiscal, segurança jurídica e estabilidade cambial, poderá reconquistar em poucos anos o prestígio que teve no início do século XX, quando era chamada de “a Europa da América do Sul”.
Argentina pós Milei: Política, economia e porto Bue
Pergunta: O GOVERNO MILEI PODE SER CONSIDERADO “POPULISTA”?
Depende do critério. Se “populismo” for definido pelo estilo retórico (antielites, linguagem confrontacional, guerras culturais), sim: Milei usa marcas clássicas do populismo na comunicação. Porém, se o parâmetro for política econômica, seu programa é o oposto do populismo distributivo tradicional: é austeridade rápida (“terapia de choque”), com desregulação ampla (DNU 70/2023), corte de subsídios e meta de déficit zero.
QUEM ESTÁ PAGANDO A CONTA ENTÃO?
Curto prazo: o ajuste recaiu de forma mais dura sobre os cidadãos de renda baixa e média-baixa, via alta de tarifas e transporte após o corte de subsídios e liberação de preços, comprimindo consumo e renda real no início de 2024.
Efeitos Colaterais: a inflação desacelerou fortemente ao longo de 2024 x 2025 e o governo registrou superávits, mas com custo social relevante; universidades, cultura e pesquisa sofreram cortes.
Pobreza: após picos no início do ajuste, os dados mais recentes apontam queda da pobreza urbana (INDEC) em 2025, ainda em patamar elevado e desigual por região/idade, um alívio estatístico que não elimina a pressão sobre os mais vulneráveis.
Em sístese, Milei combina retórica populista com agenda econômica ortodoxa. No curto prazo, os mais pobres sentem primeiro (tarifas/transporte/energia); no médio prazo, a desinflação e a estabilização fiscal podem aliviar parte dessa carga se forem sustentadas.
FLUXO DE EXPORTAÇÕES E IMPORTAÇÕES PELO PORTO DE BUENOS AIRES
(mil toneladas; anos completos – dados aproximados)
Nota: Os valores de embarque/desembarque são estimados a partir das variações percentuais publicadas no relatório anual de 2024 (-13,7% em desembarques; +6,8% em embarques, base 2023) aplicadas aos totais de 2024. O total anual de 2023 (6.557,2 mil t) é oficial.
O aporte de USD 20 bilhões dos Estados Unidos
Em outubro de 2025, a US Treasury Department assinou com o Banco Central de la República Argentina (BCRA) um regime de currency swap de até USD 20 bilhões, visando estabilizar o peso argentino diante da forte volatilidade cambial. Além disso, há planos de duplicar para cerca de USD 40 bilhões com fundos privados e soberanos.
Qual a importância desse aporte?
Permite à Argentina reforçar reservas, amortecer choques cambiais e ganhar fôlego para o ajuste.
Funciona como sinal de confiança aos mercados, aos credores e ao setor privado.
Para os EUA, é estratégico: evitar colapso de um país vizinho e manter influência na América Latina.
E se esse apoio não chegasse?
A Argentina teria enfrentado esmagamento cambial: peso em livre queda, inflação disparada, fuga de capitais acelerada.
Possível default soberano ou reestruturação abrupta, paralisando importações essenciais e gerando racionamento de divisas.
Para o Brasil e para o comércio exterior: risco elevado de rupturas nas rotas, paralisia logística e retração forte de parceiros argentinos.
Em suma: sem o apoio, o cenário seria de crise aguda, onde o ajuste provavelmente seria mais violento e desordenado, cobrando um preço social ainda maior.
O que isso significa para o Brasil e o comércio exterior?
Um vizinho instável prejudica não apenas o mercado argentino interno, mas também cadeias logísticas e fluxos de comércio binacional. Se esta estabilização tiver sucesso, abre-se uma janela de oportunidade: câmbio previsível, confiança restaurada e possibilidades de exportação, especialmente em setores agrícolas, industriais e de logística. Para empresas brasileiras com atuação regional, o momento exige: monitorar de perto políticas cambiais e regulatórias na Argentina, ajustar estratégias de entrada e contingenciar cenários de choque.
O valor da confiança
A história argentina ensina uma verdade simples e poderosa: não há prosperidade sem confiança. Um país pode sobreviver à pobreza, à crise e até a isolamento. Mas jamais à perda da credibilidade. Nosso vizinho tenta agora reconstruir essa base, pedra por pedra. E talvez, desta vez, esteja disposta a aprender com o próprio passado. A Argentina está num ponto de inflexão: o desafio é não só econômico, mas profundamente político. O apoio externo, ainda que significativo, não garante automaticamente sucesso, pois todo o processo depende de execução, disciplina e reformas estruturais. Para as classes menos favorecidas, o momento exige vigilância: as reformas não devem se traduzir em exclusão. Para empresários e logística internacional, torna-se imperativo enxergar oportunidades, mas também riscos. A lição final é antiga e firme: a confiança faz o futuro; sem ela, todo plano vira ruína.
Por Paulo - Litrans Logística Internacional
Análises de comércio exterior, transporte global e tendências econômicas.




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