A crise Venezuelana e suas riquezas estratégicas (1999 a 2025)
- Paulo Corner

- 17 de out.
- 7 min de leitura
Desde a ascensão de Hugo Chávez em 1999, a Venezuela entrou em um processo de transformação política e econômica profunda. O país, que por décadas manteve laços comerciais sólidos com os Estados Unidos e era visto como uma potência energética regional, passou a seguir um modelo centralizador e ideologicamente orientado, que buscava reduzir a dependência dos EUA e se aproximar de polos alternativos, como China e Rússia.
Nos últimos 20 anos, o país enfrentou um colapso econômico sem precedentes na América Latina moderna: queda de mais de 80% do PIB, hiperinflação, colapso da infraestrutura petrolífera, escassez crônica de alimentos e medicamentos, além de um êxodo populacional de proporções históricas, com mais de sete milhões de venezuelanos deixando o país.
Duas narrativas se enfrentam no debate internacional. De um lado, a narrativa política e ideológica argumenta que a crise é resultado das políticas internas implantadas pelos governos Chávez e Maduro, políticas estas caracterizadas por centralização do poder, aparelhamento institucional, estatizações em massa, controle cambial rígido e dependência exclusiva da renda petrolífera. De outro lado, a narrativa econômica e internacional sustenta que os embargos e sanções impostos pelos Estados Unidos a partir de 2006, e intensificados a partir de 2017, foram os principais responsáveis pelo estrangulamento da economia venezuelana, ao bloquear exportações de petróleo e limitar o acesso a financiamento internacional.
A questão central, portanto, é saber: a crise venezuelana é primordialmente um produto do regime interno ou das sanções externas? E até que ponto a China e a Rússia, parceiros estratégicos de Caracas, conseguem compensar os efeitos dos embargos, por meio de comércio e financiamento?
Entre 1999 e 2012, sob Hugo Chávez, a Venezuela experimentou um ciclo de bonança devido aos altos preços internacionais do petróleo (chegando a mais de 100 dólares por barril). O governo nacionalizou setores estratégicos, ampliou os programas sociais e utilizou a PDVSA (empresa estatal de petróleo) como instrumento de política pública e financiamento estatal. Paralelamente, impôs controles de câmbio e ampliou a presença do Estado em quase todos os setores produtivos.
Durante esse período, os Estados Unidos continuaram sendo o principal parceiro comercial da Venezuela. As refinarias do Golfo do México, especialmente no Texas e na Louisiana, eram tecnicamente adaptadas para processar o petróleo pesado venezuelano. Essa relação, embora ideologicamente tensa, era economicamente funcional.
A partir de 2013, com a morte de Chávez e a ascensão de Nicolás Maduro, o país entrou em uma espiral de declínio. A queda dos preços do petróleo reduziu drasticamente as receitas externas. As políticas econômicas internas já pouco eficientes, se mostraram incapazes de sustentar a economia. O governo recorreu à emissão monetária para financiar gastos, levando à hiperinflação. Empresas nacionais e estrangeiras foram fechadas ou expropriadas. A produção petrolífera caiu progressivamente por falta de investimentos e manutenção.
Em 2017, os Estados Unidos intensificaram de forma sistemática as sanções econômicas contra o regime de Maduro. A OFAC (Office of Foreign Assets Control) bloqueou o acesso de PDVSA aos mercados financeiros americanos, congelou ativos no exterior e proibiu transações com certas entidades governamentais venezuelanas. Em 2019, o embargo petrolífero direto impediu exportações para os EUA. Essas medidas provocaram uma queda abrupta da receita em moeda forte, agravando a escassez e deteriorando ainda mais as condições econômicas internas.
É importante reconhecer que as sanções foram aplicadas sobre uma economia já enfraquecida. Antes mesmo de 2017, a produção de petróleo já havia caído significativamente, a inflação estava fora de controle e os mecanismos produtivos internos haviam sido destruídos por anos de má gestão e corrupção. Assim, as sanções atuaram como um acelerador de um colapso em curso, e não como causa inicial.
Nesse contexto, a Venezuela buscou apoio em parceiros alternativos, principalmente China e Rússia.
Entre 2007 e 2016, a China concedeu mais de 60 bilhões de dólares em créditos à Venezuela, pagos principalmente com petróleo. Esses recursos financiaram projetos de infraestrutura e ajudaram o governo a sustentar seus programas sociais. Contudo, após 2017, a China reduziu drasticamente o volume de crédito, exigindo amortizações e evitando novas exposições devido ao risco de calote. Pequim passou a comprar petróleo venezuelano com descontos substanciais, por meio de rotas trianguladas (Malásia, Singapura), aproveitando-se comercialmente da fragilidade venezuelana, mas sem fornecer apoio financeiro maciço.
A Rússia, por sua vez, forneceu apoio político, diplomático e militar. Empresas como a Rosneft e Gazprom (grandes empresas petrolíferas russas globais), atuaram intensamente entre 2014 e 2019, ajudando a escoar petróleo venezuelano para mercados asiáticos. Contudo, a pressão de sanções secundárias fez com que a Rosneft e Gazprom reduzissem suas operações a partir de 2020. O apoio russo, portanto, permaneceu mais estratégico e militar do que econômico em escala relevante.
Diante desse quadro, a conclusão mais equilibrada é que a crise venezuelana tem uma origem dupla. As políticas internas foram o gatilho estrutural: criaram dependência extrema do petróleo, destruíram o setor produtivo, eliminaram incentivos de mercado, corroeram as instituições e geraram hiperinflação. As sanções econômicas impostas pelos Estados Unidos, por sua vez, foram o fator de aceleração e aprofundamento: impediram o país de acessar mercados tradicionais, vender seu petróleo em condições normais e obter financiamento externo.
O apoio chinês e russo, embora politicamente importante, não substituiu a dimensão econômica da relação com os EUA. Nem em volume de comércio, nem em acesso financeiro, China e Rússia conseguiram compensar o impacto das sanções e do isolamento internacional. Sua participação foi seletiva, muitas vezes guiada por interesses estratégicos próprios — especialmente no setor energético.
Assim, a tese que se sustenta com base em fatos é a seguinte: a crise venezuelana não é fruto exclusivo nem do regime interno, nem das sanções externas — é o resultado da combinação dos dois, com predomínio das falhas estruturais internas como causa inicial e dos embargos como fator amplificador. A China e a Rússia oferecem suporte limitado e seletivo, insuficiente para reverter o quadro econômico.
As Riquezas Naturais da Venezuela e o Interesse dos Estados Unidos

A Venezuela é, indiscutivelmente, um dos países com maiores reservas naturais estratégicas do mundo. Sua posição geográfica no Caribe, a poucos dias de navegação dos portos do Golfo do México, somada à abundância de petróleo, gás, minerais e terras férteis, transforma o país em uma peça-chave no xadrez energético e econômico do continente americano.
Petróleo: segundo a OPEP, a Venezuela possui as maiores reservas comprovadas de petróleo do planeta, com cerca de 303 bilhões de barris, localizados principalmente na Faixa Petrolífera do Orinoco. Esse petróleo extrapesado é perfeitamente adequado às refinarias do Golfo do México, tornando a Venezuela uma fonte próxima, estável e estratégica de energia para os EUA.
Gás natural: o país também detém grandes reservas offshore, especialmente no oriente, com potencial para exportação de GNL.
Minerais estratégicos: ouro, coltan, bauxita, diamantes e minerais raros estão distribuídos principalmente no Arco Mineiro do Orinoco e na região de Guayana. O coltan é vital para a indústria eletrônica e de defesa. O ouro venezuelano figura entre as maiores reservas não exploradas do mundo.
Água e terras férteis: a Venezuela possui bacias hidrográficas extensas, como a do Rio Orinoco, além de solos férteis e biodiversidade excepcional, com potencial agrícola e ambiental de longo prazo.
Interesse dos Estados Unidos: o petróleo pesado venezuelano foi, durante décadas, um dos pilares do abastecimento energético norte-americano. A proximidade geográfica reduz custos logísticos e aumenta a segurança energética. Além disso, minerais estratégicos e recursos agrícolas reforçam a importância do país no equilíbrio de recursos do hemisfério ocidental.
Conclusão: a Venezuela reúne três fatores de alto valor geopolítico — energia abundante e próxima, minerais estratégicos e recursos ambientais/agropecuários vastos. Essa combinação explica o interesse persistente dos Estados Unidos (e de outras potências) no país, independentemente do regime político vigente.
Fluxo de Comércio entre EUA x VENEZUELA – Últimos 5 anos
Visão geral (2024-2025)
Valor total 2024 (bens): aprox. USD 10,2 bilhões (EUA↔VEN). Exportações dos EUA p/ Venezuela: USD 4,2 blhões; importações dos EUA da Venezuela: USD 6,0 bilhões. Saldo dos EUA: - USD 1,8 bilhão.
Dinâmica 2025 (jan a jul, bens): queda de 16,8% no comércio total vs. 2024 (mesmo período). Top portos EUA por valor de mercadorias: Houston, New Orleans, Freeport-TX, Pascagoula-MS, Port Everglades-FL.
Mensal 2024 (bens): série mensal mostra importações dos EUA da Venezuela superando exportações em boa parte do ano (reabertura parcial de operações de energia seguida por reestreitamentos).
Cesta de mercadorias (últimos 12 - 18 meses)
Importações dos EUA desde a Venezuela: óleo bruto e derivados (petróleo) lideram, seguidos por café, cacau, pescados, alumínio.
Exportações dos EUA para a Venezuela: alimentos básicos (trigo; óleo de soja), plásticos e químicos, peças/aeronáutica, bens de consumo diversos.
Portos e terminais mais relevantes
Lado Venezuelano:
Puerto Cabello (VEPBL): maior porto do país (contêiner, carga geral).
La Guaira: contêiner e carga geral.
Terminal José / Puerto José (VEJOT): complexo de embarque de petróleo pesado, “monoboias” offshore e grande parque de tancagem.
Lado Americano:
Porto de Houston (TX) e Porto de New Orleans (LA): são hubs para energia, grãos e químicos.
Freeport - TX e Pascagoula - MS: fortes em óleo bruto e derivados.
Port Everglades - FL: relevante para contêiner e carga geral.
Como as sanções dos EUA moldam o fluxo comercial venezuelano
Out/2023: OFAC suspende parcialmente medidas sobre óleo & gás (GL-44).
Abr/2024: substituída por GL-44A (wind-down até 31 de maio de2024): incerteza contratual e replanejamentos.
2025: autorização caso a caso para projetos específicos (ex.: gás de Dragon com Trinidad & Tobago e Shell).
Chevron: retomadas pontuais via Terminal de José em 2025 sob licenças específicas.
O regime de sanções permanece vigente; operações dependem de licenças da OFAC.
Narcotráfico e risco operacional
Os EUA qualificam a Venezuela como major drug-transit country (INCSR 2024/2025), especialmente cocaína via Caribe.
2020: DOJ indicia Nicolás Maduro e outros por narco-terrorismo (ligação com FARC e “Cartel de los Soles”).
2025: novas sanções e decisões judiciais contra ex-autoridades venezuelanas.
Cenário provável: operações antinarcóticos e maior risco geopolítico.
Números e previsões pra análise
Balanço 2024: Exportações EUA→VEN US$ 4,2 bi; Importações EUA←VEN US$ 6,0 bi.
Importações EUA 2024: ~US$ 6,32 bi (COMTRADE).
Tendência 2025 (jan - jul): retração de 16,8% no comércio total vs. 2024.
Sazonalidade 2024: recomposição de importações EUA no 2º semestre (óleo), revertida com wind-down 44A.
Implicações práticas para negócios e logística
Sanções e OFAC: checar GLs, SDN list, contrapartes.
Estrutura contratual: cláusulas de sanções.
Compliance: KYC/KYB, origem da mercadoria, bancos correspondentes.
Portos: preferir José para óleo; Cabello e La Guaira para contêiner.
Risco narcotráfico: prever inspeções intensificadas, seguro e rotas alternativas.
Leitura estratégica da operação entre os países EUA e Venezuela
Energia dita o fluxo: óleo bruto domina quando há licença; alimentos e químicos ganham espaço quando não há.
Janelas regulatórias importam mais que preço.
Puerto Cabello e La Guaira continuam os principais polos para carga geral; Porto José concentra petróleo; e o Golfo do México domina nos EUA.
Tabela dos dados de Comércio EUA X Venezuela (Últimos 5 anos)
Ano | Exportações EUA→VEN (USD mi) | Importações EUA←VEN (USD mi) | Balança (EUA) | Favorecido |
2021 | 1.613,70 | 295,0 | +1.318,7 | EUA |
2022 | 2.188,40 | 412,9 | +1.775,5 | EUA |
2023 | 2.491,60 | 3.593,7 | –1.102,1 | Venezuela |
2024 | 4.198,50 | 6.021,5 | –1.823,0 | Venezuela |
2025 (YTD) | 2.093,1 | 2.568,9 | –475,8 | Venezuela |
Gráfico Fluxo de Comércio entre EUA x VENEZUELA – Últimos 5 anos





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