Acordos Bilaterais do Brasil e Mercosul: Estratégias, Desafios e Oportunidades no Cenário Global de Comércio Exterior
- Paulo Corner

- 10 de out.
- 6 min de leitura

O comércio exterior brasileiro passa por ciclos de transformação impulsionados pela geopolítica, por choques tecnológicos e por mudanças na estrutura produtiva global. Nesse contexto, os acordos bilaterais são instrumentos decisivos para facilitar o fluxo de bens, serviços e investimentos, reduzir custos transacionais e ampliar a previsibilidade regulatória. Mais do que tratados comerciais, são pontes de integração econômica que abrem portas para novos mercados e fortalecem cadeias globais de valor.
1. Panorama histórico dos acordos bilaterais brasileiros
Desde a segunda metade do século XX, o Brasil privilegiou a via multilateral e o regionalismo, notadamente com a criação do Mercosul (Tratado de Assunção, 1991; união aduaneira vigente desde 1995). Nos anos 2000, ganhou força a diversificação de parceiros Sul x Sul, com acordos na América Latina, África e Ásia. A partir de 2019, houve retomada de agendas com atores do eixo Pacífico e Europa, com destaque para a conclusão política do Mercosul x União Europeia (2019, pendente de ratificação) e a aceleração de negociações com Singapura, EFTA e Coreia do Sul.
2. Principais acordos em vigor e em negociação
A lista abaixo sintetiza acordos bilaterais e birregionais relevantes para o Brasil, com foco em efeitos comerciais práticos. Observação: a situação de cada acordo pode evoluir por atualizações regulatórias e etapas de ratificação.
País / Bloco | Tipo de Acordo | Ano (vigência/assinatura) | Principais Benefícios |
Chile | Acordo de Livre Comércio (modernização via Mercosul) | 2018 | Eliminação/ redução de tarifas e cooperação regulatória ampla |
Israel | ALC (Mercosul–Israel) | 2010 (vigência) | Preferências para industriais e agro; diversificação de mercados |
México | ACE 53/55 (ALADI) | 2002/2003 | Setor automotivo e bens industriais; regras específicas de origem |
Índia | Acordo de Preferências Fixas (APF) | 2009 | Redução tarifária |
Egito | ALC (Mercosul–Egito) | 2017 (vigência) | Redução gradual de tarifas; potencial no agro e manufaturas |
União Europeia | ALC (Mercosul–UE)- pendente de ratificação | 2019 (conclusão política) | Abertura de mercados, compras públicas, regras sanitárias (pendente) |
EFTA (Islândia, Liechtenstein, Noruega, Suíça) | ALC (em negociação avançada) | 2019-2024 | Acesso a economias de alta renda; disciplinas modernas |
Singapura | ALC (em negociação Mercosul–Singapura) | 2019-2025 | Integração a cadeias asiáticas e facilitação de serviços |
Coreia do Sul | ALC (negociações) | 2018-2025 | Tecnologia, autopeças e bens de capital; ganhos de produtividade |
3. Benefícios econômicos e estratégicos
Competitividade externa: preferências tarifárias elevam a margem do exportador e a atratividade do produto brasileiro.
Atração de investimentos: acordos sinalizam segurança jurídica e previsibilidade regulatória.
Integração produtiva: inserção em cadeias globais, com ganhos de escala em setores como agro, automotivo e siderurgia.
Governança e padrões: acordos modernos incluem capítulos de compras públicas, comércio eletrônico, sustentabilidade e facilitação aduaneira.
4. Desafios atuais
Complexidade tributária e custo Brasil, que reduzem o aproveitamento dos acordos.
Baixa densidade de acordos em comparação a pares latino-americanos (ex.: Chile).
Morosidade política e institucional na ratificação (ex.: Mercosul–UE).
Barreiras não tarifárias (SPS/TBT), logística e requisitos de origem que exigem capacitação empresarial.
5. Perspectivas futuras e oportunidades
Ásia-Pacífico: aprofundar negociações com ASEAN (Associação de Nações do Sudeste Asiático) e Índia para diversificar a pauta além de commodities.
África: novos acordos com foco em agro, alimentos e bens de capital; sinergias com a Zona de Comércio Livre Continental Africana (AFCFTA).
Economia verde e digital: acordos temáticos para energia limpa, bioeconomia, serviços digitais e inovação.
Plataforma Mercosul: usar o bloco para ampliar o poder de barganha e acelerar cronogramas.
6. Organismos e arranjos institucionais relevantes (UNCTAD, ALADI e COMECON)
UNCTAD - Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento
A UNCTAD, criada em 1964, é um foro intergovernamental que produz análises, dados e recomendações sobre comércio, investimento e desenvolvimento sustentável. Embora não negocie acordos preferenciais, influencia agendas por meio de relatórios (ex.: Trade and Development Report), bases estatísticas, capacitação e apoio técnico a países em desenvolvimento. Para o Brasil, a UNCTAD é referência em dados de IED, cadeias globais de valor, digitalização do comércio e políticas industriais.
ALADI - Associação Latino-Americana de Integração (sucessora da ALALC)
A ALADI (1980) substituiu a antiga ALALC e é o marco jurídico-institucional que ampara grande parte dos acordos regionais brasileiros por meio dos Acordos de Complementação Econômica (ACE) e Acordos de Alcance Parcial. É no âmbito da ALADI que se estruturam instrumentos como o ACE 53/55 com o México, além de disciplinas de origem e facilitação. A ALADI funciona como plataforma flexível de integração, permitindo avanços graduais e assimétricos entre membros.
COMECON - Conselho para Assistência Econômica Mútua (contexto histórico)
O COMECON (CMEA), ativo entre 1949 e 1991, foi o arranjo econômico do bloco socialista europeu. Sua dissolução em 1991 reconfigurou o comércio leste-oeste e abriu caminho para a integração de vários países do Leste Europeu na União Europeia. Para o Brasil, o efeito indireto foi a reorientação de fluxos comerciais e oportunidades de exportação para mercados que, nos anos 1990 e 2000, se integraram ao comércio multilateral sob regras da OMC.
Concluindo, os acordos bilaterais e birregionais são alavancas de competitividade, investimento e inovação. Consolidar ganhos requer aprimorar o ambiente doméstico (tributação, logística, conformidade regulatória) e acelerar a agenda negociadora. Organismos como a UNCTAD provêm inteligência e métricas; a ALADI oferece a moldura jurídica para avanços regionais; o legado histórico do COMECON ilumina mudanças estruturais nas cadeias de valor desde os anos 1990. O próximo ciclo dependerá da capacidade de combinar abertura com transformação produtiva e sustentabilidade.
Um breve histórico dos acordos comerciais do Brasil (1990–2025)
Abertura econômica e reformas (1990-1994)
Redução tarifária unilateral, eliminação de barreiras não tarifárias e participação ativa na Rodada Uruguai do GATT. Preparação institucional para a transição ao regime da OMC (1995).
Regionalismo e consolidação do Mercosul (1995-2002)
Entrada em vigor da união aduaneira do Mercosul (1995); foco na Tarifa Externa Comum e nos primeiros acordos birregionais com vizinhos (Chile, Bolívia).
Papel do Mercosul: Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai; com a Bolívia em processo de adesão plena) negocia acordos comerciais como bloco, ou seja:
Não é cada país individualmente que assina um Acordo de Livre Comércio;
O acordo é negociado e assinado em nome de todo o Mercosul;
Depois, cada país ratifica internamente segundo seus trâmites legislativos.
Esta união comercial garante uniformidade tarifária externa (devido à Tarifa Externa Comum - TEC) e evita concorrência interna entre os membros.
Diversificação Sul-Sul e acordos setoriais (2003-2010)
Ampliação de ACE na ALADI, ALC Mercosul x Israel (assinado em 2007; vigência 2010) e Acordo de Preferências Fixas com a Índia (2009). Retomada das negociações Mercosul-União Europeia.
Retomada gradual e modernização (2011-2018)
Entrada em vigor do ALC Mercosul x Egito (2017) e assinatura do Acordo de Livre Comércio Mercosul x Chile (2018) com capítulos modernos de serviços, compras públicas e comércio eletrônico.
Reinserção e novas parcerias (2019-2022)
Conclusão política do Mercosul x UE (2019, pendente); avanço com EFTA, Singapura e Coreia; acordos de facilitação e comércio digital.
Reconfiguração e agendas verde/digital (2023-2025)
Negociações com cláusulas ambientais e de sustentabilidade; parcerias com África e Ásia; foco em energia limpa, bioeconomia e integração a cadeias tecnológicas.
Exemplos de Acordo de Livre Comércio do Mercosul
Acordo | Parceiro | Assinatura / Vigência | Principais pontos |
Mercosul - Israel | Israel | Assinado 2007 – Vigente 2010 | Primeiro ALC extra-regional; preferências para bens industriais e agrícolas |
Mercosul - Egito | Egito | Assinado 2010 – Vigente 2017 | Eliminação gradual de tarifas para 90% dos produtos |
Mercosul - Chile | Chile | Modernização 2018 | Integração regulatória, comércio eletrônico e compras públicas |
Mercosul - União Europeia | UE | Conclusão política 2019 (pendente de ratificação) | Grande abertura mútua de mercados e alinhamento regulatório |
Mercosul - EFTA (Suíça, Noruega, Islândia, Liechtenstein) | EFTA | Negociação concluída em 2019 (ratificação pendente) | Acesso a mercados de alta renda |
Mercosul–Singapura | Singapura | Negociação avançada 2019–2025 | Porta de entrada para ASEAN |
Conteúdo e Importância do Acordo Mercosul-EFTA
Abertura tarifária mútua para bens industriais e agrícolas.
Redução ou eliminação de tarifas para cerca de 95% das exportações do Mercosul aos países da EFTA.
Facilitação de comércio, regras de origem modernas e mecanismos de solução de controvérsias.
Regras sobre propriedade intelectual, compras públicas e comércio sustentável.
Para o Brasil, destaque para produtos agroindustriais, carnes, frutas, sucos, celulose, siderurgia e manufaturados.
A EFTA reúne países altamente desenvolvidos, com mercados premium e capacidade de investimento elevada;
Permite ao Mercosul (e ao Brasil) acessar nichos de alto valor agregado, como alimentos gourmet, produtos farmacêuticos e tecnologia limpa;
Sinaliza compromisso com regras internacionais modernas, aumentando a previsibilidade para investidores estrangeiros.
O Acordo de Livre Comércio entre Mercosul e EFTA foi concluído politicamente em 2019 e segue avançando nas etapas legais para ratificação. Quando entrar em vigor, será um dos acordos comerciais mais sofisticados já assinados pelo Brasil via Mercosul.




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