Cenário Econômico Brasileiro: A Reação do Mercado à Política Fiscal
- Paulo Corner

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1. A Reação do Mercado e a Contradição dos Indicadores
A apreensão do mercado financeiro brasileiro diante das projeções de liderança do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva para as eleições de 2026 não se baseia em uma única causa, mas em um conjunto de preocupações sobre a sustentabilidade da política econômica atual. Embora o governo apresente indicadores positivos como crescimento do PIB, queda do desemprego e superávits primários pontuais, o mercado opera com base em expectativas futuras e na qualidade desses resultados.
1.1. A Contradição dos Bons Números
Indicador Positivo | Visão do Mercado (Risco) |
|---|---|
Superávit Primário | Resultado de receitas extraordinárias e não recorrentes. A meta de déficit zero é vista como frágil, e o compromisso fiscal é questionado. |
Crescimento do PIB | Crescimento de “baixa qualidade”, impulsionado principalmente pelo consumo das famílias e pelo gasto público, e não por investimento privado ou aumento de produtividade. |
Desemprego em Baixa | A melhoria do mercado de trabalho é vista como financiada pelo aumento da dívida pública, o que pode levar a uma crise de inflação e desemprego futuro. |
A principal preocupação é a trajetória da Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG), que se aproxima de 80% do PIB [1]. O mercado teme que a política atual esteja “trocando gasto presente por dívida futura”, o que aumenta o risco-país e afugenta investimentos de longo prazo.
2. O Debate Central: Insustentabilidade Fiscal vs. Visão Ideológica
2.1. A Estratégia do Consumo Interno e Infraestrutura: Progresso Sustentável?
A visão desenvolvimentista: a crença de que o Brasil, com seus 200 milhões de habitantes, pode e deve usar o consumo interno e o investimento em infraestrutura de base como motores de um crescimento sólido e duradouro.
Argumentos a Favor (Visão Desenvolvimentista)
1. Potencial de Escala: Um mercado interno robusto de 200 milhões de pessoas oferece uma base de demanda que pode sustentar a produção industrial e o comércio, tornando o país menos vulnerável a choques externos.
2. Infraestrutura como Multiplicador: Investimentos em infraestrutura (energia, logística, transportes) não apenas geram empregos no curto prazo, mas aumentam a produtividade e reduzem o “custo Brasil” no longo prazo. Isso permite que a indústria e o comércio se tornem mais competitivos, gerando
crescimento sustentável.
3. Redução da Desigualdade: Baixar os juros e aumentar a renda da base da pirâmide (via programas sociais) é uma forma de injetar dinheiro na economia onde ele é mais rapidamente consumido, garantindo que o crescimento seja inclusivo.
O Contraponto (Visão Liberal)
O mercado não discorda da importância da infraestrutura ou do consumo, mas questiona a forma de financiamento e o risco de curto prazo:
1. O Risco Inflacionário: A principal crítica é que, se o consumo for estimulado por gasto público financiado por dívida (e não por aumento de produtividade), a demanda cresce mais rápido que a capacidade de oferta do país. O resultado é a inflação. O Brasil já tem um histórico de gargalos de infraestrutura e baixa produtividade, o que torna o risco de inflação por demanda muito alto.
2. O Custo do Capital: Para que o investimento em infraestrutura seja eficaz, o
custo do capital ( juros) precisa ser baixo. A desconfiança do mercado em relação ao risco fiscal mantém os juros altos, encarecendo o financiamento de projetos de longo prazo (como o Novo PAC) e tornando-os menos viáveis.
3. Sustentabilidade: O mercado argumenta que o crescimento sustentável só é alcançado com reformas estruturais (tributária, administrativa) que melhorem o ambiente de negócios e aumentem a produtividade. O estímulo ao consumo, sem essas reformas, é visto como um “voo de galinha” que termina em crise fiscal.
Em resumo, a estratégia de impulsionar o crescimento pelo consumo e infraestrutura é vista como correta em tese, mas arriscada na prática se não for acompanhada de uma disciplina fiscal rigorosa que mantenha a confiança e os juros baixos. A disputa é sobre a ordem dos fatores: o desenvolvimentista diz “crescer para pagar a conta”, e o liberal diz “arrumar a conta para poder crescer”.
A desconfiança do mercado é uma combinação de fatores pragmáticos e ideológicos, refletindo uma disputa fundamental sobre o papel do Estado na economia.
2.2 O Argumento Pragmático (Insustentabilidade)
O mercado argumenta que o aumento do gasto público, especialmente quando financiado por endividamento, é insustentável. O custo da dívida consome recursos que poderiam ser destinados a serviços essenciais, e a perda de confiança na moeda pode gerar inflação, que é o “imposto dos pobres”. Para esta visão, a responsabilidade fiscal é a única garantia de bem-estar social duradouro.
2.3 O Argumento Ideológico (Modelo Econômico)
A crítica ideológica aponta que o mercado, de viés liberal, prefere um Estado mínimo, menor carga tributária e menos intervenção. A agenda de Lula, que defende a expansão de programas sociais e o Estado como indutor do crescimento, choca-se com essa preferência. A resistência a políticas de redistribuição de renda e a críticas à política monetária do Banco Central são vistas como manifestações dessa divergência ideológica.
3. Análise de Dados: A Trajetória de Gastos, Dívida e Arrecadação
Os dados oficiais confirmam que o gasto público está em trajetória de alta, crescendo acima da inflação.
3.1 Aumento da Despesa Primária
A despesa primária do Governo Central (excluindo juros) tem crescido em termos reais. Em 2024, a despesa primária totalizou um aumento real de 6,5% no acumulado até outubro, impulsionada principalmente pela Previdência Social e por programas
sociais como o Bolsa Família [2].
3.2 O Impacto do Arcabouço Fiscal
O novo Arcabouço Fiscal, que substituiu o Teto de Gastos, é o principal motor desse crescimento. Ele permite que a despesa cresça anualmente entre 0,6% e 2,5% acima da inflação, garantindo por lei o aumento real do gasto público. O mercado critica essa regra por ser pró-cíclica e por institucionalizar o crescimento do Estado, sem forçar o controle de despesas.
3.3 Corrida entre Arrecadação e Despesa
A arrecadação federal também tem batido recordes, impulsionada pelo crescimento econômico e por medidas de aumento de impostos (como a taxação de fundos exclusivos). No entanto, a despesa cresce em ritmo muito próximo, o que impede a geração de superávits robustos e sustentáveis. A Carga Tributária Bruta (CTB) atingiu o
patamar mais elevado em mais de duas décadas, chegando a 34,24% do PIB em 2024 [3].
O gráfico a seguir ilustra a evolução da Dívida Bruta, Despesa Primária e Carga Tributária em relação ao PIB nos últimos dez anos, mostrando a pressão crescente sobre as contas públicas.

4. Visões Divergentes e Cobertura Internacional
4.1 O Posicionamento dos Economistas
Corrente Econômica |
Visão sobre a Política de Lula |
Foco da Crítica/Apoio |
|---|---|---|
Liberal | Cética e Crítica [4]. Alguns apoiaram Lula em 2022 por razões políticas (derrotar o “atraso maior”), mas criticam a falta de compromisso fiscal e o aumento da intervenção estatal. |
Risco fiscal, aumento da dívida, e necessidade de austeridade. |
Desenvolvimentista | Apoio e defesa [S]. Defendem o “novo-desenvolvimentismo”, o gasto público como ferramenta para estimular o crescimento e a redução da desigualdade. Criticam a política monetária restritiva do Banco Central. | Necessidade de investimento estatal, combate à desigualdade e crítica aos juros altos. |
4.2 Projeções Econômicas para 2026: Liberal vs. Desenvolvimentista
As projeções econômicas para 2026 no Brasil refletem a profunda divergência entre as escolas de pensamento liberal (focada na estabilidade fiscal e no controle da inflação) e desenvolvimentista (focada no crescimento impulsionado pelo Estado e na redução da desigualdade).
Enquanto as projeções de mercado (majoritariamente liberais) tendem a ser mais pessimistas em relação à dívida e mais cautelosas quanto ao crescimento, as projeções de economistas alinhados ao desenvolvimentismo tendem a ser mais otimistas em relação ao crescimento, minimizando o risco fiscal.
A tabela a seguir resume as principais diferenças nas projeções para os indicadores-chave em 2026:
Indicador | Visão Liberal (Mercado Financeiro, IFI, Bancos) | Visão Desenvolvimentista (Aliados do Governo, Acadêmicos) |
|---|---|---|
Crescimento do PIB | Moderado a Baixo (1,7% a 2,2%) [10] [11]. A desaceleração é esperada devido ao impacto dos juros altos e à falta de reformas estruturais que impulsionem a produtividade. |
Moderado a Otimista (2,5% a 3,0%) [12]. O crescimento será impulsionado pela continuidade do gasto público, programas sociais e investimentos do Novo PAC. |
Dívida Bruta/PIB | Ascendente e Preocupante (82% a 83,8%) [13] [14]. A dívida continuará crescendo devido ao déficit primário e aos juros altos, comprometendo o crescimento de longo prazo. | Estável ou Controlável. O crescimento do PIB e o aumento da arrecadação (via taxação e atividade) estabilizarão a dívida em patamares manejáveis. O foco deve ser o crescimento, não a dívida. |
Inflação (IPCA) | Próxima ou Acima do Teto da Meta [1S]. O risco fiscal e o aumento da demanda (devido ao gasto público) pressionarão a inflação, exigindo cautela do Banco Central. |
Sob Controle. A inflação será controlada pela política monetária e pela capacidade produtiva do país, sem grandes pressões, permitindo a queda dos juros. |
Taxa Selic (Juros) | Elevada (12,13% a 12,25%) [16]. A desconfiança fiscal obriga o Banco Central a manter os juros altos para compensar o risco e evitar que o gasto público descontrole a inflação. | Em Queda (Abaixo de 12%). A Selic deve cair mais rapidamente, pois os juros altos são o principal freio do crescimento. A política monetária deve ser mais flexível para apoiar a política fiscal. |
Foco Principal | Estabilidade Fiscal (Déficit Zero e controle da dívida). | Crescimento Econômico (Investimento e demanda agregada). |
A principal diferença reside na causalidade do crescimento. A Visão Liberal acredita que a estabilidade fiscal (contas em ordem) é a causa primária do crescimento sustentável. O risco fiscal leva a juros altos, que sufocam o investimento e o crescimento. A Visão Desenvolvimentista acredita que o crescimento econômico (impulsionado pelo Estado) é a causa primária da estabilidade fiscal. O crescimento gera mais arrecadação, o que, por sua vez, resolve o problema da dívida. O mercado (liberal) precifica o risco de que a aposta desenvolvimentista falhe, resultando em uma dívida explosiva e inflação descontrolada.
4.3. A Percepção da Imprensa Internacional
A imprensa internacional e as agências de risco focam na tensão fiscal e na dívida pública brasileira.
4.3.1 Risco Fiscal: Instituições como o Banco Mundial e a Allianz destacam que o Brasil enfrenta desafios orçamentários significativos, com a dívida pública se aproximando de 80% do PIB, o que gera incerteza sobre a estabilidade econômica de longo prazo [6] [7].
4.3.2 Reação do Mercado: A mídia especializada, como a Bloomberg, reporta que os mercados internacionais reagem negativamente a pesquisas que mostram Lula à frente para 2026, refletindo a aversão dos investidores ao risco fiscal percebido[8].
4.3.3 Desempenho vs. Sustentabilidade: Há um reconhecimento do desempenho econômico “decente” em 2023, mas a análise é sempre acompanhada pela ressalva sobre a sustentabilidade desse crescimento, que é visto como dependente de um aumento de gastos [9].
Em suma, a política econômica de Lula é vista como um cabo de guerra entre a necessidade de responsabilidade fiscal (exigida pelo mercado e pela estabilidade de longo prazo) e a urgência da responsabilidade social (prioridade do governo). A desconfiança do mercado reside na percepção de que, neste embate, a responsabilidade social está sendo financiada de uma forma que compromete a estabilidade fiscal futura.
Resumo Executivo: Convergência e Divergência na Política Econômica
A política econômica atual do Brasil é marcada por uma profunda polarização entre a escola de pensamento Liberal (representada pelo mercado financeiro e analistas focados em estabilidade) e a Desenvolvimentista (representada pelo governo e acadêmicos alinhados à intervenção estatal).
Pontos de Convergência (Onde as Visões se Encontram)
1. Importância do Investimento em Infraestrutura: Ambas as correntes concordam que o Brasil
2. possui um déficit crônico de infraestrutura e que o investimento em áreas como logística, energia e transportes é fundamental para aumentar a produtividade e reduzir o “Custo Brasil” no longo prazo.
3. Reconhecimento da Desigualdade: Há um consenso de que a desigualdade social é um problema estrutural que precisa ser combatido. A divergência reside na forma de financiamento e na prioridade desse combate.
4. Necessidade de Crescimento: O objetivo final de ambas as escolas é o crescimento econômico. A diferença está no motor desse crescimento (Estabilidade Fiscal vs. Demanda Agregada).
Pontos de Divergência (Onde as Visões se Chocam)
Indicador de Divergência | Visão Liberal | Visão Desenvolvimentista |
|---|---|---|
Causalidade do Crescimento | Estabilidade Fiscal é o pré-requisito. Apenas com contas públicas em ordem e confiança o investimento privado virá, gerando crescimento sustentável. | Crescimento Econômico é o pré-requisito. O Estado deve induzir o crescimento (via gasto e investimento) para gerar arrecadação e, assim, resolver o problema fiscal. |
Risco Fiscal | Alto e Imediato. O aumento real do gasto (permitido pelo Arcabouço Fiscal) e o crescimento da dívida (projetada para 82%-83% do PIB em 2026) são insustentáveis e levam a juros altos e inflação. |
Controlável e Secundário. O risco é minimizado pelo potencial de crescimento do PIB e pelo aumento da arrecadação. O foco excessivo no déficit sufoca o crescimento. |
Política Monetária (Juros) | Juros Altos Necessários. O Banco Central deve manter a Selic elevada para compensar o risco fiscal e evitar que o excesso de demanda (gasto público) gere inflação. |
Juros Altos Excessivos. A Selic deve ser reduzida drasticamente, pois os juros altos são o principal freio do crescimento e encarecem o financiamento da dívida. |
Estratégia de Crescimento | Reformas Estruturais e Produtividade. O crescimento deve vir do aumento da eficiência do setor privado, com menor intervenção estatal. | Estímulo ao Consumo e Investimento Estatal. O crescimento deve ser impulsionado pela demanda agregada (consumo da base) e por grandes projetos de infraestrutura (Novo PAC). |
Em suma, a política econômica atual é vista pelos liberais como um “cabo de guerra” onde a responsabilidade social está sendo financiada de forma a comprometer a estabilidade fiscal futura, enquanto os desenvolvimentistas a veem como a única forma de romper o ciclo de estagnação e desigualdade, apostando que o crescimento gerado pagará a conta.
Referências e créditos
[1] Banco Central do Brasil. Estatísticas Fiscais. Disponível em: [URL do BCB]
[2] Tesouro Nacional. Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas. Disponível em: [URL do Tesouro Nacional]
[3] FGV IBRE. Carga Tributária no Brasil: 1990-2024. Disponível em: [URL da FGV IBRE] [4] Gazeta do Povo. O que dizem hoje economistas liberais que apoiaram Lula.. Disponível em: [URL da Gazeta do Povo]
[5] Estadão. Economistas desenvolvimentistas lançam manifesto em.. Disponível em: [URL do Estadão]
[6]World Bank. New World Bank Report Unveils Strategies for Brazil’s.. Disponível em: [URL do World Bank]
[7] Allianz. Country Risk Report Brazil. Disponível em: [URL da Allianz]
[8] Bloomberg. Brazil Markets Stumble With Jitters Over Lula Election Odds. Disponível em: [URL da Bloomberg]
[9] IFRI. First Year of Lula: Overview of the Political Situation in Brazil. Disponível em: [URL do IFRI]
[10] OCDE. Economic Outlook for Brazil. Projeta 1,7% para 2026.
[11] Banco Mundial. Projeções para o Brasil. Projeta 2,2% para 2026.
[12] Siegen. Economia brasileira pode crescer até 3% em 2026, avalia.
[13] IFI (Instituição Fiscal Independente). Projeção da Dívida Pública. Projeta 82,4% do PIB em 2026.
[14] Gazeta do Povo. Eleições 2026: O choque fiscal inevitável no próximo.. Projeta 83,8% do PIB em 2026.
[15] CNA. CNA vê risco fiscal e diz que inflação pode ficar acima do.
[16] Focus (Banco Central). Mediana das projeções do mercado para a Selic em 2026. Projeta 12,13% a 12,2S.




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