Meio século de história - Comércio exterior e relações internacionais
- Paulo Corner

- 2 de set.
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Nos últimos 50 anos, o Brasil passou por mudanças significativas que redefiniram seu papel no comércio internacional. De exportador de produtos básicos nos anos 1970 à busca por integração em cadeias globais de valor, a trajetória brasileira foi moldada por fatores como crises econômicas, avanços tecnológicos e transformações geopolíticas. Esta retrospectiva permite entender como o comércio exterior se consolidou como eixo central da política econômica e diplomática do país, e aponta os desafios e oportunidades que se desenham até 2030.
1970: O Brasil do “Milagre Econômico”
A década começa com a conquista de um Mundial de Futebol. O Brasil estava sob o regime militar (1964-1985), e o discurso oficial projetava o país como “o futuro do mundo em desenvolvimento”. A imprensa da época, como a Folha de S. Paulo (edição de 1972, caderno de economia), destacava o aumento das exportações de café, cacau e minério de ferro, além do início das exportações de bens manufaturados simples, como calçados e têxteis.
Já no Jornal do Brasil (1973) registrava-se que a balança comercial se tornava mais positiva devido à política de substituição de importações, mas ainda dependente de capitais externos. Nesse período, o Brasil integrava pouco mais de 70 destinos comerciais, com os EUA respondendo por cerca de 40% do fluxo externo.
1980: Crise, Redemocratização e Comércio Internacional Restrito
A década de 1980 ficou marcada pela crise da dívida externa e pela perda de competitividade industrial. Artigos de O Estado de S. Paulo (1984) relatavam que os portos brasileiros estavam entre os mais caros e ineficientes da América Latina, com tempo médio de espera superior a 10 dias para atracação em Santos.
O parque industrial, modernizado nos anos 1970, estava sucateado por falta de atualização tecnológica. A Constituição Cidadã de 1988 e a redemocratização trouxeram expectativas de abertura, mas o comércio exterior ainda era tímido: as exportações brasileiras representavam apenas 0,8% do total mundial em 1989, segundo dados da UNCTAD.
Enquanto a sociedade vivia os “anos de ouro” da música brasileira, o comércio internacional permanecia limitado e voltado quase exclusivamente ao mercado norte-americano.
1990: Abertura Comercial e Estabilização Monetária
A década de 1990 marcou uma ruptura. O governo relâmpago do Presidente Fernando Collor reduziu tarifas de importação de uma média de 55% para menos de 15% em 4 anos, abrindo os portos brasileiros a produtos internacionais. A Secretaria de Comércio Exterior (SECEX) registrava crescimento das importações de bens de capital, fundamentais para a modernização da indústria.
O fim da Guerra Fria coincidiu com um parque industrial sucateado e baixa participação brasileira no comércio mundial (0,8% em 1989, UNCTAD).
Porém, a hiperinflação corroía os ganhos. Em 1993, o IBGE apontava inflação acumulada de 2.477%. Somente com o Plano Real (1994) houve estabilização, criando um ambiente mais previsível para contratos internacionais.
O Brasil firmou o Tratado de Assunção (1991), criando o Mercosul, e ampliou o comércio regional com Argentina e Uruguai, sinalizando maior integração sul-americana.
2000: A Globalização e o Avanço Digital
Nos anos 2000, o Brasil passou a participar mais ativamente dos fóruns internacionais de comércio, como a UNCTAD e a OMC, defendendo interesses de países emergentes. A pauta exportadora começou a diversificar-se, com destaque para aço, calçados e produtos do agronegócio.
A imprensa paulista (Folha de S. Paulo, 2001) noticiava a explosão do uso da Internet e da telefonia móvel, que passaram a integrar o dia a dia das transações comerciais. A era digital reduziu barreiras burocráticas e permitiu a criação de sistemas como o SISCOMEX, facilitando exportações e importações.
A consolidação da zona do Euro (2002) também reconfigurou os fluxos de comércio, levando o Brasil a expandir relações com a União Europeia, tornando-se o segundo maior destino das exportações nacionais.
2010: A Década do Agronegócio
A década de 2010 consolidou o agronegócio como motor do comércio exterior brasileiro. Dados da SECEX/MDIC apontam que entre 2010 e 2020 as principais exportações foram:
. Soja: USD 28 bilhões em 2019 (30% da pauta total);
. Minério de ferro: USD 22 bilhões;
. Carnes (bovina, aves e suína): USD 15 bilhões;
. Celulose e papel: USD 8 bilhões.
O comércio com a China cresceu exponencialmente, tornando o país o maior parceiro comercial do Brasil, com mais de USD 100 bilhões em trocas anuais até 2020.
2020 – 2025: Pandemia, Logística e Blocos Estratégicos
A pandemia de COVID-19 (2020) impactou diretamente o comércio internacional. O fechamento de fronteiras, a escassez de contêineres e a ruptura das cadeias globais elevaram os custos logísticos a patamares históricos. Segundo a UNCTAD, o frete de um contêiner de 40 pés na rota Shanghai x Santos chegou a aproximadamente USD 12.000,00/cntr em 2021, contra USD 1.300,00/ cntr antes da crise.
No modal de transporte aéreo, o valor por KG de carga triplicou em algumas rotas, pressionando setores dependentes de insumos importados, como farmacêutico e eletrônico.
Nesse cenário, o Brasil intensificou sua atuação nos BRICS, buscando acordos alternativos com China, Índia, Rússia e África do Sul para reduzir dependência dos EUA e da União Europeia.
2030: Perspectivas: Crise ou Crescimento?
As projeções para 2030 são ambivalentes. De um lado, o risco de estagnação, se o Brasil não avançar em:
. Inovação tecnológica;
. Redução de custos logísticos;
. Diversificação da pauta exportadora.
De outro, oportunidades emergem com o uso da AI - Inteligência Artificial, capaz de otimizar processos de comércio exterior: desde o despacho aduaneiro preditivo até sistemas de logística inteligente baseados em big data. Pode haver estagnação se não houver inovação tecnológica e redução do custo logístico
O desafio brasileiro será transformar sua condição de exportador de commodities em protagonista global de cadeias de valor, explorando setores verdes, energia renovável e biotecnologia.
Se superar entraves internos e atuar de forma pragmática na diplomacia internacional, o país poderá abandonar a imagem de “país do futuro” e consolidar-se como uma das nações protagonistas do comércio mundial até 2030.
O comércio internacional constitui um dos principais vetores de integração econômica e diplomática entre os Estados-nação. Sua dinâmica não apenas impulsiona o crescimento econômico interno, mas também influencia a geopolítica global e a definição de políticas externas. Segundo a OMC, o volume global de mercadorias comercializadas ultrapassou US$ 25 trilhões em 2023. No caso do Brasil, as exportações de commodities agrícolas e minerais e as importações de bens manufaturados configuram a espinha dorsal da inserção internacional. As relações exteriores ampliaram mercados por meio de acordos comerciais, como Mercosul-União Europeia, e o setor logístico é determinante para competitividade. A guerra comercial EUA-China e os embargos à Rússia mostram como comércio e geopolítica estão intrinsecamente ligados. O Brasil precisa diversificar, investir em digitalização aduaneira, blockchain e logística sustentável.
Concluindo, o Brasil percorreu meio século de transformações: do otimismo militar dos anos 70, passando pela crise e redemocratização dos 80, até a abertura dos 90, a globalização dos 2000, o boom do agronegócio nos 2010 e os desafios da pandemia em 2020. Para 2030, o país tem diante de si o desafio de inovar, integrar-se em cadeias globais de valor e reduzir custos logísticos. O futuro dependerá de acordos comerciais sólidos, investimentos em tecnologia e pragmatismo diplomático.
Exportações e Importações por Década
Periodo/Década | Exportações (USD bi) | Importações (USD bi) |
1970 | 7 | 6 |
1980 | 20 | 18 |
1990 | 30 | 25 |
2000 | 60 | 55 |
2010 | 220 | 210 |
2020 | 280 | 250 |
Referências:
. ABREU, M. de Paiva. A economia brasileira 1980-1994. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994.
. BANCO CENTRAL DO BRASIL. Relatório Anual 1994. Brasília, 1994.
. FOLHA DE S. PAULO. Comércio exterior brasileiro cresce 15%. SP, 1972. Economia, p. 3.
. JORNAL DO BRASIL. Brasil busca ampliar mercados externos. RJ, 1973. Economia, p. 5.
. O ESTADO DE S. PAULO. Portos brasileiros entre os mais caros. SP, 1984. Economia, p. 4.
. MDIC/SECEX. Balança Comercial Brasileira 2019. Brasília, 2019.
. UNCTAD. World Trade Report 1989. Genebra: United Nations, 1989.
. UNCTAD. Handbook of Statistics 2002. Genebra: United Nations, 2002.
. UNCTAD. Review of Maritime Transport 2021. Genebra: United Nations, 2021.




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